Nuvens Cinzas Num Céu Azul

Recostado na rede em minha sacada, observava pela nesga de céu a que tenho acesso, as nuvens que dançavam entre o topo dos edifícios e o infinito.

Estava absorto imaginando figuras. Uma pequena lembrava um ursinho correndo, mais ao lado outra maior mostrava um casal de bailarinos, mais abaixo um gnomo saltava pela floresta.....

Ela chegou ao meu lado e revelou sua presença tocando-me com a mágica incrível dos seus dedos, capazes de transmitir paz e ansiedade num mesmo tempo. Com doçura em voz baixa falou:

- Oi, não se deixa porta aberta, pode ser perigoso! Achegou-se, passou o braço sobre meus ombros sem dizer mais nada. Tive a sensação que olhava para as mesmas nuvens. Permaneceu sem dizer nada. De repente perguntou:

- E para onde vai o amor quando morre? Sem olhá-la, respondi com um vago - Não sei! O ursinho entrou numa caverna que fechou-se a sua passagem.

Aquele amor tranqüilo, mágico que deu sentido as nossas vidas por muito tempo, desistiu, cansou, largou e deixou um vazio imenso em seu lugar. Hoje só resta lembrança de um tempo que chegou ao fim. Os bailarinos e o gnomo são comidos por um dinossauro com uma enorme cauda que logo desaparece mergulhando numa nuvem.

Sinto o perfume, a presença daquela que mudou a minha vida. A sinto triste, sem brilho. Poucas vezes a percebi tão perdida e solitária. O dinossauro sai da nuvem, transformado numa dupla de pequenas bruxas, que voando em bizarras vassouras, fazem acrobacias no céu.

A pergunta fica no ar: "Para onde vai o amor quando morre?" O que responder? Reconhecer que não morre o que não existe, que é uma ilusão passageira, um sonho poético sem qualquer sentido, como dizem as pessoas sérias e responsáveis.

Senti que segurou minha mão entre as suas e com o mesmo carinho de outrora e murmurou ao meu ouvido:

- Estou indo, a gente se vê. Te cuida amado, te cuida mesmo.

As bruxas voadoras em sua dança, são engolidas por uma enorme onda de um mar acinzentado que lembra pelo movimento barbatanas de um tubarão voraz.

O amor mesmo, aquele intenso, aquele que é troca e doação, entrega e confiança, admiração e cuidado, aquele que desponta sem ninguém forçar, com espontaneidade, como se Deus por um privilégio nos tivera distinguido, mas que não passa na verdade de uma grande mentira, um sonho irreal, uma utopia. Um navio pirata aparece a bombordo, singrando o azul do céu com grandes velas desfraldadas, pronto para o ataque.

Este amor quando morre, mata a gente aos poucos, deixando no peito uma dor apertada que nunca passa. Este amor que em morrendo enterra bem fundo a alegria, a esperança. Despovoa sonhos e orienta a vida para a mesmice, para apatia, para a solidão de um cotidiano sem sentido. Mas este amor quando morre, não morre, dorme, como um urso que hiberna numa caverna escura, de onde sairá um dia faminto, numa busca desesperada, para saciar sua fome de vida, de felicidade, de esperança em sobreviver ao desamor, em renascer tal qual Fênix das cinzas do passado. Na proa do barco aparece o pequeno ursinho rosado e branco, que corre feliz em direção a um chafariz colorido, como se ressuscitado para a vida. Nuvens escuras de repente toldam o azul do céu, engolfando tudo num cinza chumbo, com o prenúncio de uma tempestade, acabando com meu brinquedo, meu devaneio, minha alegria, minha tristeza.

Levanto da poltrona, vou até a porta do corredor e me certifico, confiro, verifico, está chaveada com duas voltas, não passou de imaginação. Não entrou nem vai entrar ninguém na minha vida, tanto a porta como eu não fomos nem tocados, estamos fechados, não há perigo. O perigoso pode ser sonhar. Vivi o sonho enquanto pude, mas nada é para sempre, um dia o sonho acaba, nada é para sempre. A chuva veio forte, o temporal lavou toda a sujeira da terra, trouxe a bonanza com ela um belo arco-iris.